Texto 1
O que é uma
pessoa?

Há outra definição do termo
"humano", proposta por Joseph
Fletcher, teólogo protestante e autor prolífico de escritos sobre temas
éticos. Fletcher compilou uma lista daquilo a que chamou "indicadores de
humanidade", que inclui o seguinte:
Autoconsciência
Autodomínio
Sentido do futuro
Sentido do passado
Capacidade de se relacionar com outros
Preocupação pelos outros
Comunicação
Curiosidade
É este o sentido do termo que temos em mente quando
elogiamos alguém dizendo que "é muito humano" ou que tem
"qualidades verdadeiramente humanas". Quando dizemos tal coisa não
estamos, é claro, a referir-nos ao facto de a pessoa pertencer à espécie Homo
Sapiens
que, como facto biológico, raramente é posto em dúvida; estamos a querer dizer
que os seres humanos possuem tipicamente certas qualidades e que a pessoa em
causa as possui em elevado grau.
Estes dois sentidos de "ser humano"
sobrepõem-se mas não coincidem. O embrião, o feto subsequente, a criança
gravemente deficiente mental e até mesmo o recém-nascido, todos são
indiscutivelmente membros da espécie Homo sapiens, mas nenhum deles é
autoconsciente nem tem um sentido do futuro ou a capacidade de se relacionar
com os outros. Logo, a escolha entre os dois sentidos pode ter implicações
importantes para a forma como respondemos a perguntas como "Será que o
feto é um ser humano?"
Quando escolhemos as palavras que usamos em situações
como esta, devemos empregar os termos que permitam exprimir o que queremos
dizer com clareza e que não introduzam antecipadamente juízos sobre a resposta
a questões substanciais. Estipular que usamos o termo "ser humano",
digamos, no primeiro sentido e
que, portanto, o
feto é um ser humano e o aborto é imoral não ajudaria em nada. Tão-pouco seria
melhor escolher o segundo sentido e defender nesta base que o aborto é
aceitável. A moral do aborto é uma questão substancial, cuja resposta não pode
depender do sentido que estipularmos para as palavras que usamos. Para evitar
fazer petições de princípio e para tornar o meu sentido claro, porei de lado,
por agora, o ambíguo termo "ser humano" e substitui-lo-ei por dois
termos diferentes, correspondentes aos dois sentidos diferentes de "ser humano".
Para o primeiro sentido, o biológico, usarei simplesmente a expressão extensa
mas precisa "membro da espécie Homo sapiens", enquanto para o segundo
sentido usarei o termo "pessoa".
Este uso da palavra "pessoa"
é, ele mesmo, infeliz, susceptível de criar confusões, dado que a palavra
"pessoa" é muitas vezes usada como sinónimo de "ser
humano". No entanto, os termos não são equivalentes; poderia haver uma
pessoa que não fosse membro da nossa espécie. Também poderia haver membros da
nossa espécie que não fossem pessoas.
A palavra "pessoa" tem a sua origem no termo latino para uma máscara usada por um ator no teatro classico (persona). Ao porem máscaras, os actores pretendiam mostrar que desempenhavam uma personagem. Mais tarde "pessoa" passou a designar aquele que desempenha um papel na vida, que é um agente. De acordo com o Oxford Dictionary, um dos sentidos actuais do termo é "ser autoconsciente ou racional". Este sentido tem precedentes filosóficos irrepreensíveis. John Locke define uma pessoa como:
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Máscaras do teatro antigo (Grécia - sec.IV a.C.) |
A palavra "pessoa" tem a sua origem no termo latino para uma máscara usada por um ator no teatro classico (persona). Ao porem máscaras, os actores pretendiam mostrar que desempenhavam uma personagem. Mais tarde "pessoa" passou a designar aquele que desempenha um papel na vida, que é um agente. De acordo com o Oxford Dictionary, um dos sentidos actuais do termo é "ser autoconsciente ou racional". Este sentido tem precedentes filosóficos irrepreensíveis. John Locke define uma pessoa como:
"um ser inteligente e pensante dotado de razão e
reflexão e que pode considerar-se a si mesmo como aquilo que é, a mesma coisa
pensante, em diferentes momentos e lugares."
Esta definição aproxima a "pessoa" do sentido que Fletcher deu a "ser humano", com a diferença que escolhe duas características cruciais — a racionalidade e a autoconsciência — para cerne do conceito. É muito possível que Fletcher concordasse que estas duas características são centrais e que as restantes decorrem mais ou menos delas. Em todo o caso, proponho-me usar o termo "pessoa" no sentido de um ser racional e autoconsciente, para captar os elementos do sentido popular de "ser humano" que não são abrangidos pelo termo "membro da espécie Homo sapiens".
Peter Singer
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A complexidade do conceito de Pessoa
No conceito de Pessoa confluem ideias oriundas dos mais
variados campos: da ética, da moral, do mundo físico, do horizonte jurídico. A
Pessoa não é uma coisa, um objeto, um meio para a satisfação dos fins,
necessidades ou desejos de outras pessoas. O carácter consciente das decisões
que toma e a responsabilidade assumida pelas palavras proferidas e atos
realizados são algumas das mais relevantes características do ser Pessoa.
É no tipo de finalidades que cada ser humano busca que
podemos encontrar uma definição do conceito de Pessoa. O filósofo Kant,
pensando as finalidades do Homem, reduziu-as a três:
"1.° - A disposição para a animalidade do Homem,
como ser vivo;
2.° - A sua
disposição para a humanidade, enquanto ser vivo e racional;
3º - A sua
disposição para a personalidade, enquanto ser racional e também
responsável.
1.° Podemos colocar a disposição para a animalidade no Homem sob o título
geral de amor de si, físico e simplesmente mecânico, ou seja, dum amor de si
que não envolve uma razão. É de natureza tripla: primeiro, em vista da
conservação de si mesmo; em segundo lugar, em ordem à propagação da sua espécie
por meio do impulso ao sexo e à conservação do que é gerado pela união dos
sexos; em terceiro lugar, em vista da comunidade com outros homens, isto é, o
impulso à sociedade. [...]
2.° As disposições para a humanidade podem agrupar-se sob
o título geral do amor de si, sem dúvida físico, mas que compara [para o que se
exige a razão, a saber: julgar-se ditoso (feliz) ou desditoso (infeliz), só em
comparação com outros. Do amor de si promana a inclinação para obter para si um
valor na opinião dos outros; e originalmente, claro está, apenas o [valor] da
igualdade [...].[Os seres humanos têm a tendência para quererem igualar-se
aos outros].
3.” A disposição para a personalidade é a capacidade para
experimentar o respeito da lei moral enquanto motivo por si mesmo suficiente,
do arbítrio. Esta capacidade para o respeito pela lei moral, em nós, seria o
sentimento moral, que, no entanto, não constitui por si ainda um fim da disposição
natural, a menos que seja motivo para o arbítrio. [...]"
Kant, A Religião
nos Limites da Simples Razão
Há no texto de Kant uma hierarquia cujo patamar superior é a esfera da
personalidade implicando: a libertação dos limites, submissões e determinismos
da esfera da animalidade; a superação da esfera da humanidade,
diferenciando-nos dos demais sujeitos, singularizando-nos, indo além do
prestígio de que se reveste o que socialmente é considerado mais atraente ou
eficaz. Na medida em que refletimos e exercemos um juízo critico sobre o mundo
e nós mesmos e nos descobrimos como seres cuja liberdade está aberta ao
compromisso e proximidade com outras pessoas, aplicando valores universais a
situações particulares, alcançamos a esfera da personalidade.
Em psicologia, personalidade designa o conjunto de esquemas que organizam o
comportamento de um indivíduo em concreto, isto é, uma pessoa.
De modo sintético, os traços caracterizadores do "ser pessoa" são
os seguintes;
- dignidade absoluta. uma vez
que não pode nem deve ser usada como um meio para um fim;
- singularidade, na medida em
que é única e se distingue das demais pessoas;
- juízo critico, rejeitando o
que é mau ou negativo e construindo um mundo melhor;
- liberdade e autonomia, já que pensa pela sua cabeça
e rejeita a manipulação;
- abertura, saindo para fora de
si, disponibilizando-se sem nada esperar em troca, sendo capaz de, em qualquer
altura, aprender com novas experiências;
- compromisso, sem indiferença,
tomando sobre si os desgostos, tarefas e alegrias dos outros;
- proximidade, o amor, amizade e simpatia
(capacidade de se colocar no lugar do outro) que deseja o bem do outro e dá
sem nada pedir.
Adelaide Galvão Teles e Outros, Manual de área de Integração, Vol.1, Raiz Editora, pp. 46-47.
O que há para lá da máscara?
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