domingo, 6 de outubro de 2013

As pessoas e as coisas

Texto 1/ As pessoas e as coisas
Não tratamos o ser humano como tratamos as coisas.
Quer se queira quer não, é um dado histórico que o contributo do cristianismo para a noção de pessoa e de que todo o ser humano é pessoa foi fundamental. Repare-se que tanto na Grécia como na Roma antigas, ser humano e pessoa não eram sinónimos. De facto, só os cidadãos livres eram sujeitos de
plenos direitos e deveres; as mulheres, os escravos e as crianças, embora pertencentes ao género humano, não eram pessoas livres, gozando de plenos direitos. Como mostrou o filósofo Zubiri, "a introdução do conceito de pessoa na sua peculiaridade foi obra do pensamento cristão": o cristianismo afirmou e afirma que todo o ser humano - homem, mulher, escravo, deficiente... - é pessoa, com dignidade inviolável, porque é filho de Deus.
Kant refletirá, concluindo que nenhum ser humano pode alguma vez ser tratado como simples meio, pois é fim em si mesmo; as coisas são meios e, por isso, têm um preço - o homem, porque é fim, não tem preço, mas dignidade.
Quando pensamos na pessoa, encontramos momentos essenciais para a sua compreensão.
A pessoa é um indivíduo, mas não podemos ignorar que também uma árvore ou um carro são indivíduos. A diferença está em que um carro, por exemplo, é substituível; uma pessoa - pensemos num amigo -, não. A pessoa tem carácter de unicidade, é única, insubstituível, não permutável.
A pessoa é sujeito, isto é, autopossui-se, subsiste em si. O sujeito é, em última análise, "o eu pessoal enquanto sujeito". Mas isto não significa isolamento, pois o eu existe sempre em relação e no vínculo com outros eus e em correlação com os objectos.
Portanto, o homem é sujeito em intersubjectividade no mundo.
A pessoa é um eu, centro pessoal autoconsciente, idêntico. Mas não é sem o tu. Deve mesmo dizer-se que o tu precede o eu. De facto, antes de a criança saber que é, o que é e quem é, "é convocada à comunhão de rostos que a olham, de mãos que a acariciam, de palavras que a interpelam e a amam, as mesmas que a trouxeram à existência. Somos porque fomos amados. Por isso, a pessoa é o ser da palavra e do amor: dizemos algo sobre as coisas, mas falamos com as pessoas".
Anselmo Borges
www.dn.pt - 10/09/11
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"a pessoa é o ser da palavra e do amor: dizemos algo sobre as coisas, mas falamos com as pessoas"
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Intersubjectividade - relação entre sujeitos. A experiência humana do mundo diz-se intersubjectiva porque os seres humanos estão constantemente em estreita convivência, pelo que não são ilhas isoladas, mas seres de relação.
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Texto 2/ Características fundamentais da Pessoa
"O termo "pessoa" designa o ser humano enquanto sujeito moral. E ser um sujeito moral significa possuir consciência moral, isto é, ser capaz de discriminar claramente entre o que é o bem e o que é o mal, o que é justo e o que é injusto, o que deve e o que não deve fazer.
E. Mounier desenvolve a sua concepção de pessoa a que atribui os seguintes traços caracterizadores:
1º Singularidade - As pessoas têm uma realidade interior que as faz ser aquilo que são. Para além do aspecto físico e dos comportamentos que executam e em que manifestam influências da exterioridade social, cada ser humano tem uma identidade, isto é, um núcleo substantivo particular e permanente que constitui propriamente o seu eu. É esta singularidade ou identidade que distingue cada pessoa de todas as demais.
2º Dignidade - A pessoa é um valor incomensurável. Ela ocupa o lugar cimeiro no conjunto dos seres do universo, não se submetendo em dignidade a nenhum deles. Diferentemente dos outros seres, que apresentam graus relativos de valor, a pessoa é a mais elevada forma de existência e tem valor absoluto.
3º Liberdade - Ser homem é ser livre. Ainda que condicionada, a liberdade é um elemento constitutivo da pessoa. Os condicionalismos não podem ser vistos como limites, antes como um espaço em que o ser humano se situa para exercer a sua autonomia.
4º Abertura - A singularidade da pessoa não invalida o seu constante diálogo com os outros. A pessoa é um ser aberto, tendo a possibilidade de sair de si em direção ao outro, de adoptar as suas perspectivas e comungar os seus pontos de vista. Os outros não são um entrave relativamente ao eu, mas uma possibilidade de crescimento.
5º Proximidade - A pessoa estabelece com os outros indivíduos um vínculo de proximidade, sentindo-se solidária e manifestando-lhe simpatia e amizade. Sendo solidária, a pessoa irmana-se, dá-se aos outros.
6º Compromisso - A identidade da pessoa forma-se pelas convicções que tem, pelos deveres que assume e pelas promessas partilhadas e em que investe a sua liberdade.
7º Crítica - A pessoa dispõe de uma dimensão crítica com que avalia os mais diversos aspectos da vida, procurando transformá-la de acordo com aquilo em que acredita."
In Um outro olhar sobre o mundo, Manual de Filosofia  10º ano.
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Atividades:
1. Construa um mapa conceptual do texto 2.
2. O que é que distingue as pessoas das coisas?
3. Explique a frase sublinhada no texto 1.
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Correcção:

1.  




2. Em primeiro lugar as pessoas são insubstituíveis enquanto que as coisas são substituíveis. A individualidade das pessoas é muitíssimo mais profunda do que a individualidade das coisas: um automóvel do mesmo modelo é um indivíduo (um ser individual) porque é diferente em número dos outros, podendo ter algumas características que o diferenciam, mas se ficar danificado em resultado dum qualquer acidente, pode facilmente ser substituído por outro carro semelhante.
Já no caso das pessoas não é isso que se passa: se do referido acidente resultarem vítimas mortais, nesse
caso as pessoas não poderão ser substituídas, nada nem ninguém poderá ocupar o seu lugar.
Isto porque as pessoas são únicas, possuem singularidade: cada pessoa tem uma personalidade que é diferente da personalidade de qualquer outra pessoa que tenha existido no passado, que exista no presente e que venha a existir no futuro. Essa personalidade não difere apenas em número, mas distingue-se das outras porque é o reflexo duma mente autoconsciente, capaz de conhecer o mundo à sua volta, de pensá-lo e de agir nele de forma livre e responsável.
É daí que vem a dignidade da pessoa. As coisas geralmente têm um preço e podem ser-lhes atribuídos valores, isto porque as coisas podem ser comparadas e avaliadas, porque têm uma dimensão estritamente material. Já a pessoa tem uma dimensão espiritual (é racional e autoconsciente) pelo que é incomparável não só em relação às coisas, mas, também, em relação às pessoas. Cada pessoa é, neste sentido, um ser supremo, um ser que está acima de qualquer valor ou preço. Pode-se dizer que a pessoa não tem valor ou preço que lhe possam corresponder. Nenhuma pessoa é mais ou menos (pessoa) do que outra. A maior parte das distinções que fazemos entre as pessoas são preconceituosas e assentam numa confusão que não deveria existir: confundimos as pessoas com as coisas. 
Segundo Kant a pessoa é um fim em si mesmo: a pessoa é um ser livre, racional, capaz de ser autónomo - a autonomia é a capacidade de sermos independentes da vontade dos outros, de podermos assumir a responsabilidade por aquilo que somos, fazemos e projectamos. Nós podemos investir em nós próprios, na nossa valorização enquanto pessoas: temos os nossos sonhos e projectos e podemos querer ser cada vez melhores. Por isso nenhuma pessoa pode ser usada como meio para alcançar os fins doutra pessoa (ou de outras pessoas).
A escravatura assentava na negação da dignidade da pessoa e na redução desta ao estatuto de mera coisa. 

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