sábado, 5 de outubro de 2013

Tema - Problema 1.2 - Introdução


Começamos o nosso percurso na disciplina de Área de Integração com um tema muito interessante: a Pessoa, na sua relação com a Cultura.
Não poderíamos ser pessoas se não fôssemos membros duma sociedade dotada de valores, costumes, saberes, práticas quotidianas, de uma língua portadora de significados...
Nós não nascemos (só) no momento do parto: participamos de uma história de biliões de anos, somos membros de uma espécie que evoluiu a partir de seres unicelulares muito primitivos até se tornar a espécie dominante sobre a Terra; desenvolvemo-nos dentro do útero materno, repetindo as principais etapas da evolução da nossa espécie; nascemos um dia com um conjunto vastíssimo de possibilidades, uma vez que aquilo que somos hoje não nasceu connosco, é o resultados de tudo o que nos aconteceu, conjugado com as possibilidades que nos são dadas pelos nossos genes.
Muitos desses acontecimentos dependeram de escolhas, conscientemente assumidas, das pessoas que nos educaram e, também, nossas, porque em grande parte um ser humano escolhe-se, é o resultado das suas escolhas ao longo da sua vida.
Sermos uma pessoa significa isto mesmo: temos a capacidade de pensar (aquilo a que se chama Razão) e somos livres de escolher o que queremos pensar, dizer e fazer. Por muito que a sociedade e as nossas condicionantes físicas limitem a nossa capacidade de escolha, podemos sempre escolher, por mais difícil que isso possa vir a ser.
Por isso se diz que a Pessoa tem uma dimensão Ética, é capaz de assumir a responsabilidade por si e pelas suas escolhas. As Pessoas não são meras coisas, são seres livres com a capacidade de se tornarem independentes da vontade das outras pessoas e capazes de conviver ajudando a promover a felicidade própria e alheia. A isto chama-se autonomia: a capacidade de assumirmos o controlo da nossa vida, sem desculpas ou subterfúgios.
A Pessoa caracteriza-se, basicamente, por ter consciência de si (é autoconsciente) e por poder pensar e decidir de forma coerente e ponderada (é isto que significa ser racional). No texto "o que é uma pessoa?" encontramos esta definição de pessoa ("uma pessoa é um ser racional e autoconsciente") bem como uma série de "indicadores de humanidade" propostos por J. Fletcher e que nos permitem compreender o conceito de Pessoa duma forma mais integral: a autoconsciência e a racionalidade manifestam-se em todas as áreas da nossa existência. É por termos consciência de nós próprios que podemos ter uma consciência alargada da temporalidade (talvez seja ao contrário, mas não vamos agora problematizar isso), somos capazes de nos lembrar do passado e de nos projectar no futuro, fazemos planos, avaliamos o que fizemos e propomo-nos a fazer alterações no futuro para que não repitamos os mesmos erros. E tudo isto só faz sentido se formos capazes de interagir com as outras pessoas, compreendendo as suas motivações e procurando comunicar com elas de forma cada vez mais profunda. O sermos capazes de nos preocupar com os outros é importantíssimo, porque se formos egocêntricos perdemos o sentido da pertença a uma comunidade de seres livres, para nos encerrarmos na prisão das nossas frustrações e dos nossos desejos sem possibilidade de satisfação. Só o que sonhamos com autenticidade pode vir a satisfazer-nos e só podemos ser autênticos se vivermos uma vida de convivência fraterna com as pessoas que connosco partilham objectivos de vida e sonhos de longo alcance.
A nossa humanidade é recebida dos outros humanos que connosco vivem uma vida humana. Vivemos numa sociedade que tem uma cultura que nos é inculcada mesmo antes de nascermos (por exemplo, no útero já ouvimos a língua da nossa mãe, por isso se chama 'língua materna',). Chama-se enculturação a este processo através do qual somos introduzidos na cultura da nossa sociedade, trata-se duma componente fundamental da socialização: nós nascemos numa sociedade, mas não vimos ao mundo já prontos a viver nela, temos que ser socializados, ou seja, temos que aprender tudo o que é necessário para sermos humanos numa sociedade humana: aprendemos a falar, a andar, a conviver, a respeitar as regras, a ler, a assumirmos os papéis que nos forem sendo exigidos ao longo da nossa vida. E só podemos aprender a ser humanos entre humanos. A nossa humanidade foi-nos dada pelos humanos que nos criaram e com quem convivemos até agora.
Neste sentido somos muito diferentes de grande parte das outras espécies animais: aquilo que somos depende, em parte, da hereditariedade, mas o meio sócio-cultural desempenha um papel fundamental no nosso desenvolvimento. O que seria se nos desenvolvêssemos apenas de acordo com as nossas potencialidades genéticas, sem o meio humano em que crescemos? O que seríamos sem a cultura?
Podemos ter uma ideia aproximada disso observando  comportamento do menino selvagem. Sem ter passado pela socialização (pela educação), desenvolveu um comportamento animal sem qualquer vestígio dos indicadores de humanidade de Fletcher. Neste sentido Victor quando foi capturado num bosque em 1798 era um ser muito menos desenvolvido que os gorilas, os chimpanzés e os restantes primatas superiores, os grandes símios, nossos primos na grande família dos seres vivos que tem por casa o planeta Terra.
Fotografia dum macaco a ver a sua imagem num espelho.Em certo sentido os grandes símios possuem, de forma menos desenvolvida, os indicadores de humanidade a que já nos referimos: podem ter consciência de si próprios, vivem em grupo, comunicam de forma complexa (podem até aprender a linguagem gestual dos surdos-mudos), têm consciência do passado e do futuro, preocupam-se com os seus semelhantes, são seres curiosos. Podemos levantar a hipótese de serem pessoas não humanas. Não são seres humanos, mas serão pessoas à sua maneira, dentro das suas possibilidade, devendo, por isso ser respeitados na sua dignidade.
Os golfinhos foram, em agosto de 2013, considerados como pessoas não humanas pelo governo da Índia e muitos cientistas consideram que o mesmo se deve aplicar aos restantes cetáceos. A ser verdade que os cetáceos são pessoas (não humanas) a pesca à baleia deveria ser banida de forma definitiva.
Mas esta mudança de olhar em relação aos direitos dos animais mais inteligentes (e não nos podemos esquecer de que todos os animais têm a capacidade de sentir prazer e dor e, por isso, o seu bem-estar deve ser uma preocupação constante dos seres humanos) parece ainda muito distante ao vermos a forma desumana com que os seres humanos se tratam uns aos outros.


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